domingo, dezembro 30, 2007

O Anti-Cristo vai ao céu

Pois Ele assumiu sozinho a responsabilidade pelos pecados da Humanidade, e martirizou-se passando por um psicopata cruel. Mirem-se no exemplo do Anti-Cristo. Quem mais gostaria de ter a culpa de criar os campos de concentração?

quinta-feira, novembro 08, 2007

Dezesseis (Vida, Reprise & Homenagem a João Dante)

Se pudéssemos ser totalmente científicos. Se pudéssemos ver uma gloriosa máquina que nunca falha, apenas aperfeiçoa-se, troca as peças por si só. Máquina incrível, não? Vejo os rostinhos brilhando, admirados. E eis que um chora porque, no processo de aperfeiçaomento, cuspiu-se uma peça fora.

Não adianta explicar. As pessoas têm que ver cada peça. Como podem ignorar essa máquina movida a falhas à qual pertencem? A maior invenção que houve. Transformem a Terra em um deserto radioativo que ainda haveria vida. Mas têm que lamentar o indivíduo. Elas amam cada um. Mas não o Um. Pena que não sejam totalmente científicos.

Escrito em 3/11/2007 e dedicado a João Dante Velloso Vigiani, que não era absolutamente científico e com quem nunca seremos, em 5/11/2007.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Uma noite

Um quarto escuro, como de costume. Caminhou pelas tábuas de madeira que compunham o piso do aposento até o banheiro frio de azulejos brancos. Com as mãos trêmulas, abaixou a maçaneta com um movimento breve e empurrou a porta no sentido horário. Era um cubículo mal iluminado, com uma janela semi-aberta, deixando transparecer raios da luz da lua, única presente no céu naquela noite triste. Percebeu uma música que vinha da casa de seu vizinho. Era um tema um tanto quanto melancólico, tocado em um piano velho e desafinado; a música parecia chorar. Acompanhou as notas com o queixo levantado, como se desenhando algo no espaço. Dançava os pequeninos membros na frente do espelho até atingir a primeira gaveta. Abriu-a e procurou por seu estilete, presente de um amigo que partiu. Levantou a lâmina e olhou fixamente para o brilho da lua refletida no instrumento. Girou-o de um lado para o outro, procurando o ângulo que mais lhe agradava a vista. A música havia parado por alguns instantes mas voltou a tocar, e tocava cada vez mais alta, com mais vontade, mais desespero, mais vida, talvez, pensou ela. Guardou a lâmina e deixou o instrumento em cima da pia. Começou a despir-se. O casaco marrom de lã, a camiseta branca. Gelou. Um vento frio entrou pela janela e arrepiou-lhe e espinha; tirou as calças, lentamente, admirando suas belas pernas brancas, cheias de veias azuis, que cresciam e se enroscavam em sua carne como trepadeiras. Abaixou a calcinha vermelha e viu seu sexo descoberto; soltou os ganchos de seu sutiã e, num movimento rápido, seus seios de mulher, até então enrijecidos, mostraram que nada resiste à gravidade. Sentou-se sobre o assento do vaso sujo de poeira, não se importando com o que poderia vir a irritar-lhe ou causar-lhe coceiras depois. Dançava com o queixo a música que corria de um lado para o outro do piano. Com seus gestos doces de bailarina, alcançou o estilete que descansava sobre a pia de mármore. Voltou a levantar a lâmina, encarou-a com os olhos fechados por mais algum tempo e, calmamente, abaixou seu braço até onde seus pés tocavam o chão. Encostou-se e encostaram-se a menina e a lâmina fria. Brincava com a pontinha de ferro que, se manuseada com cuidado, não provoca cortes profundos. Não era o que queria – cortes profundos – não. Queria pequeninos cortes ardidos ao longo de seu corpo, queria marcar-se como ser sofrido e sozinho. Enlaçavam-se os dedos da mão e os dedos dos pés, abraçando o objeto que trazia consigo sobre a palma da mão direita. Rasgou o chão na junta entre dois bloquinhos do azulejo com um movimento rápido que fez o barulho de uma lixa rasgando a ponta de uma unha. Tocou o metal com a junta de seus dedinhos. Perfurava-lhe e pele. Corria com a música por entre todas as suas oito juntas dos pés e transbordava sangue – líquido vermelho do qual somos feitos – desfazendo-se. Os olhos ainda fechados apertavam-se cada vez mais forte. Não chorava. Não ia chorar até a música terminar. Sentia-se inebriada por aquela sensação de estar viva e sentir-se viva. Corria ainda mais a lâmina sobre pele e carne. Chegou ao sexo e dilacerou o nome de seu amor – Amor – nas paredes dos lábios. Uma gota de sangue para cada lágrima guardada. Subiu pelo meio do corpo, estraçalhando o umbigo e deixando o ventre à mostra. Corte horizontal nos seios. Não cortou a garganta nem o rosto. Lambeu o sangue que esquentava o estilete – presente de um amigo que partiu – e guardou-o de volta na gaveta de onde o tinha tirado. Sorriu ao ver seu corpo: estava enfim livre da dúvida de sua existência; poderia morrer sossegada quando sentisse aquela sensação estranha de que estava se esquecendo de respirar. Foi tomada por um suspiro que lhe tirou o que restava no peito. Caiu gentil no chão vermelho, com a cabeça apoiada em um dos braços. Sussurrou algo de leve para as formiguinhas que vinham visitá-la durante a noite e fechou seus olhos, à espera de alguém que visse poesia em sua imagem.

quarta-feira, agosto 01, 2007

(Cantare) La Voce

É interessante observar pequenas características e idiossincrasias. Às vezes vemos um monstro sob o lago, apesar do sangue e do rosto boiando à superfície, e percebemos que a aparência é, sim, um modo de conhecer, embora possa, também, ocultar e, ainda mais, delatar! Não farei nenhum Rorschach ou qualquer análise mais precisa, de modo que contradições haverá.

Moldem uma figura miúda, de rosto comprido, ossudo (assim como o resto do corpo) e rígido, que cede somente à surpresa de ser desmascarado ou de ser pêgo desprevinido. E vejam, no entanto, que cava um sorriso infantil com facilidade assombrosa e que, no entanto, o enterra rapidamente como se fosse um túmulo, e ela um saqueador de túmulos profano e indigno.

Não ouso dizer que é multifacetada (mesmo porque é um clichê), mas sim que pode ser comparada a uma estranha estrutura geológica, que intercala deliberadamente camadas de diamente e de calcário maleável, sem fim, ou sem um núcleo que a sustente.

Puxa suas mãos para si, como se houvesse ferido alguém ou se exposto, logo após arremessá-las tais quais objetos inúteis. Ou interromper seu canto, fingindo ter esquecido as letras de sua canção favorita, temendo que seu timbre desagrade às pessoas ou desafinar, e comportando-se como se fosse apenas um lapso. Tinha de se punir. Não sei se o fazia diante das pessoas ou mergulhando sob o rosto e o sangue flutuando sobre o pântano, onde acharia o monstro algoz. "Acharia" porque não há nada nele que não tenha sido esculpido do bruto.

Está se afundando, não, virando o pântano, não, areia movediça, em milhões de grãos idênticos, cortantes porém mórbidos (no sentido italiano da palavra, apesar do sentido português também sirva). Nunca mais ouvirá as vozes dissonantes, agora que foram abafadas.

Um extra desnecessário e excessivamente conciso: não pude entrar na escola hoje, o que me levou a perceber que perdera minhas tão únicas digitais. Espero que não tenha perdido um diamante.

domingo, junho 17, 2007

Para o Dr. Riva

"Interrompemos nossa programação regular para um aviso do governo do Estado:
O Ministério da Saúde detectou recentemente uma doença letal que está tomando dimensões epidêmicas. Os sintomas divergem enormemente, mas sempre culmina-se na morte do paciente. Observaram-se, entretanto, pontos em comum dentro de uma maioria de pacientes, a saber:
-crescimento de unhas e cabelos;
-desenvolvimento de pêlos;
-formação de rugas;
-demais mudanças no corpo do paciente;

Tendo em vista que os meios de contaminação são ainda desconhecidos, pedimos que cada indivíduo se isole dos demais em rigorosa quarentena e realizem funções coletivas com muito cuidado.
Para satisfazer a essa medida de segurança, o presidente dissolveu instituições de poder público, como o Senado, e passará a controlar o País sozinho por meio de uma hierarquia.
Também pedimos que evitem comunicação que exija qualquer tipo de contato físico, concedidas exceções a raríssimos casos de emergência, e a eliminação de objetos cujas propriedades higiênicas são de caráter duvidoso. O Ministério da Saúde se incumbe da responsabilidade pela destituição de tais utensílios.

Visamos ao melhor de todos. Governo do Estado."

****

"Resposta do governo diante das notícias recentes:
Constatou-se que a epidemia se alastrara entre todos aqueles que se revoltaram sob a bandeira e slogan 'Estar Vivo e Ser Crédulo é a Doença', induzindo à loucura e ao conseqüente protesto. Lamentamos amargamente as mortes, porém agradecemos a todos que contribuiram para o controle da situação e para a luta contra a ignorância. Foi uma atitude necessária, ainda que difícil, para a proteção do povo. Sua proteção.
E a presença de médicos e demais especialistas em biologia no protesto é facilmente explicada pela natureza de sua profissão, que implica contato físico, reforçando as medidas de quarentena.

Mais uma vitória para o povo. Visamos ao melhor de todos. Governo do Estado."

sábado, maio 19, 2007

O Céu Esmagador (O Fim Urbano de uma Lenda Não-Urbana)

Agora dissolvia as copas das árvores a escuridão, por sua vez dissolvida pelo sol artificial, que as devolvera do céu esmagador. A noite, que libertava e drogava, sufocava a lua que o guiara. Nada mais lhe pertencia, desde que a lua fora dissolvida junto às copas. Culpava o falso sol e a profundeza criados por seus semelhantes por reprimirem sua dor selvagem. Não sentia o que o mordera, a saliva que o corroía. Pensava apenas em sua guia...

O pretenso dia fê-lo parar diante do rio duro e profundo, que não lhe permitiria mergulhar ou alucinar. Não havia ilusão, somente o plano, preto e branco, que rasgavam seu couro. E então a escuridão dissolveu as copas, os troncos e as raízes e a besta, tomando-as para si.

segunda-feira, maio 07, 2007

Poema pra jogar fora

De um só golpe
olhos reviram.

De fundir-se a outrem
de um só golpe.

De ser plural no singular,
apenas.

A duras penas.

De ser cara, ser coroa,
cetro e manto.

De reinar em dois seres,
e ser súdito.

De um só golpe,
tornar-se súdito.

Ser o devir.
Tê-lo sido.

De um só golpe.

***

Eis que apareço, com demoras (desculpas ao senhor Tigermoth).
Espero ser útil.


Ass.: Werke ohne Opuszahl

quinta-feira, maio 03, 2007

A Rua

Em seu movimento próprio
inspira, expira devagar.
Palpita sob nossos pés
sob o pneu dos carros
e o tropeçar dos bêbados
Se move num fluir sólido. Secular
Só-
lido
Silencia, muda, embaixo do barulhar
tropêgo dos carros.
Se revolta, mimada, no esburacar
Chora, inabalável, no ir e não voltar.

A rua de pedra
brita que palpita, grita
piche suor seco
Alameda avenida viela
de toda a gente
Só-
lida
Incógnita concreta
fluido onipresente
rua
por nós intransponível, quieta
por nós incompreensível, serena
Tua
Rua
Nua.

Luiz Felipe, 02/05/2007.

domingo, abril 01, 2007

Ex-plosão

Sem sentido
barulho sentido
ouvido

Sem sentido
Explodido

Veio para divertir
Veio e desveio
Veio para levar o silêncio
E trouxe uma discussão apática

Sem sentido
explodiu explode
explodindo sorrindo
antipática

Quebrou os vidros que nos isolavam
levantou o tapete e mostrou um chão mal limpo

quarta-feira, março 28, 2007

Absolutamente.

"A visita de menos de 24 horas de [George W.] Bush trouxe a São Paulo um esquema de segurança jamais visto no país e deixou paulistanos indignados. Sem saber que caminhos evitar, motoristas eram surpreendidos por interdições de avenidas inteiras." - Folha Cotidiano, 10 de Março de 2007.

Após checar o relógio e calcular, concluí que o tempo não só é um conceito inválido quando se está na velocidade da luz, mas também inexiste quando o deslocamento dentro de um período de tempo é desprezível. O último caso foi o meu.

"Mais uma cerveja, senhor?"
"Você é um anjo, garçom. Mas mesmo parado tenho que dirigir."
"Faz um tempão que não vejo um trânsito assim..."
"Foi uma idéia brilhante servir o pessoal preso."
"Esse Bush..." Ele estava se contendo para não se gabar.
"Eu não gosto dele. Nunca pedi para que viesse. Por que São Paulo?! Por que sessenta carros de escolta?!"
"Vixi!... é paranóia. Faz o que quer e espera que o mundo concorde..."
"Ele foi eleito na base da paranóia, né?"
"Esses americanos morrem de medo do mundo... falando nisso, quer jogar uma partida de King?"
"Oh, não. A patroa me mata se descobrir."

Uma avenida só para o Bush. Por causa de uma série de besteiras dele, fiquei preso no pior engarrafamento possível. E por que raios protestos têm que afetar pessoas não-envolvidas?!

Para refrescar o ambiente, alguém fez o favor de pôr funk carioca (ou rap, que seja) no último volume, assim concebendo um baile funk no meio do asfalto. Apoiados nos carros, moças e rapazes se esfregavam maliciosamente (alguns veículos sacolejavam, bem me lembro), acompanhados do Bonde do Tigrão e a Orquestra Paulistana de Buzinas ao fundo.

"Passa o relógio!" estava tão irado com o trânsito que nem quis discutir.
"Aqui. Pegue e roube." Melhor não saber o tempo. Mesmo porque não existia.
"Pensando bem, me dá uma carona?"
"Hm..."
"O ônibus não anda e tenho medo de ir a pé." Irônico. Medo de ser roubado. Caso extraordinário.
"Entre. Andando é mais rápido, você sabe."

Talvez notasse algo de nobre e tocante nesta atitude se não estivesse tão estressado com aquela ocasião especial que, no fundo, é meu cotidiano. A pressão aumentou, com o garoto. Precisava escapar, matar o Bush e o Lula e chegar em casa. E levar o menino.

"Vai demorar um pouco... pode ir ao baile, não sairei daqui."

Voltou mais tarde com uma moça e um sorriso sincero. Assim que fechou a porta, o trânsito, meio milagrosamente, fluiu. Deixei-o acompanhado em casa e em menos de duas horas "Lar, Doce Lar" nunca soara tão maravilhosamente.

"Querida! O Bush, o trânsito!"
"Eu sei, amor... é um absurdo. Que cheiro é esse?! Você andou bebendo?!"
"Havia, ahn, garçons..."
"E essa saia?!" Eu devia ter notado. O moleque se dera bem. Não compartilhou sua sorte comigo, uma pena.
"Trânsito, hein?!" Sabia que o sofá seria um leito razoável e que o divórcio era, na cabeça da minha mulher, a melhor solução.
Pelo menos o tempo voltou.

domingo, janeiro 14, 2007

(Soneto meio-bobo sobre) O olho maior do que a barriga

Ele tinha o olho maior do que a barriga
queria tudo tudo, e mais e mais
queria comer comer, mais do que podia
mais do que cabia. E ficou com desinteria

Tinha o olho maior do que a barriga
queria comer tudo
e acabou comendo a amiga
coitada! virou comida!

Ele tinha olhos grandes grandes
maiores que lombriga
e foi engordando...

mas nao pode ter tudo
nao dava, nao cabia
e acabou ficando sem nada. Porcaria!