quarta-feira, março 28, 2007

Absolutamente.

"A visita de menos de 24 horas de [George W.] Bush trouxe a São Paulo um esquema de segurança jamais visto no país e deixou paulistanos indignados. Sem saber que caminhos evitar, motoristas eram surpreendidos por interdições de avenidas inteiras." - Folha Cotidiano, 10 de Março de 2007.

Após checar o relógio e calcular, concluí que o tempo não só é um conceito inválido quando se está na velocidade da luz, mas também inexiste quando o deslocamento dentro de um período de tempo é desprezível. O último caso foi o meu.

"Mais uma cerveja, senhor?"
"Você é um anjo, garçom. Mas mesmo parado tenho que dirigir."
"Faz um tempão que não vejo um trânsito assim..."
"Foi uma idéia brilhante servir o pessoal preso."
"Esse Bush..." Ele estava se contendo para não se gabar.
"Eu não gosto dele. Nunca pedi para que viesse. Por que São Paulo?! Por que sessenta carros de escolta?!"
"Vixi!... é paranóia. Faz o que quer e espera que o mundo concorde..."
"Ele foi eleito na base da paranóia, né?"
"Esses americanos morrem de medo do mundo... falando nisso, quer jogar uma partida de King?"
"Oh, não. A patroa me mata se descobrir."

Uma avenida só para o Bush. Por causa de uma série de besteiras dele, fiquei preso no pior engarrafamento possível. E por que raios protestos têm que afetar pessoas não-envolvidas?!

Para refrescar o ambiente, alguém fez o favor de pôr funk carioca (ou rap, que seja) no último volume, assim concebendo um baile funk no meio do asfalto. Apoiados nos carros, moças e rapazes se esfregavam maliciosamente (alguns veículos sacolejavam, bem me lembro), acompanhados do Bonde do Tigrão e a Orquestra Paulistana de Buzinas ao fundo.

"Passa o relógio!" estava tão irado com o trânsito que nem quis discutir.
"Aqui. Pegue e roube." Melhor não saber o tempo. Mesmo porque não existia.
"Pensando bem, me dá uma carona?"
"Hm..."
"O ônibus não anda e tenho medo de ir a pé." Irônico. Medo de ser roubado. Caso extraordinário.
"Entre. Andando é mais rápido, você sabe."

Talvez notasse algo de nobre e tocante nesta atitude se não estivesse tão estressado com aquela ocasião especial que, no fundo, é meu cotidiano. A pressão aumentou, com o garoto. Precisava escapar, matar o Bush e o Lula e chegar em casa. E levar o menino.

"Vai demorar um pouco... pode ir ao baile, não sairei daqui."

Voltou mais tarde com uma moça e um sorriso sincero. Assim que fechou a porta, o trânsito, meio milagrosamente, fluiu. Deixei-o acompanhado em casa e em menos de duas horas "Lar, Doce Lar" nunca soara tão maravilhosamente.

"Querida! O Bush, o trânsito!"
"Eu sei, amor... é um absurdo. Que cheiro é esse?! Você andou bebendo?!"
"Havia, ahn, garçons..."
"E essa saia?!" Eu devia ter notado. O moleque se dera bem. Não compartilhou sua sorte comigo, uma pena.
"Trânsito, hein?!" Sabia que o sofá seria um leito razoável e que o divórcio era, na cabeça da minha mulher, a melhor solução.
Pelo menos o tempo voltou.